O sistema de castas na Índia é um dos principais tópicos sobre os quais me perguntam sempre que menciono ter vivido no país, lá em 2012. E neste post, vou descrever com base no que observei no meu cotidiano no país. A sociedade indiana se distingue pela sua estrutura social estratificada em castas, baseada na religião hindu, seguida por 80% dos indianos.
A casta é uma classe social permanente, herdada por nascimento. Um cidadão indiano nasce e morre na mesma casta, independente de quanto dinheiro ganhe e de quais esforços faça para uma vida melhor. De modo geral, a casta determina a vida social de um cidadão indiano: o seu capital social, as perspectivas de carreira, com quem casar, onde morar, etc.
E como fica a questão do dinheiro? Para muitos indianos, o dinheiro é algo que passa de mão em mão, um mero mecanismo de troca para adquirir confortos materiais e curtir a vida com a família e amigos. Se o dinheiro não é decisivo para a ascensão social, o que faz a diferença na sociedade indiana? Poder é o que conta. E poder não é para todos.
É visível na sociedade indiana uma hierarquia e um jogo de poder em todos os detalhes da vida social, seja no ambiente de trabalho e até entre casais. Cada interação é baseada em quem vai ser superior e quem vai ser inferior, não há nenhum senso de igualdade. Mesmo a diáspora indiana se agrupa com base em castas, bem como em religião, língua, grupo étnico, etc. O sistema de castas é compreendido por 5 grupos principais, que se subdividem em milhares de subcastas, num total de mais de 6.000 castas indianas. Um resumo destes 5 grupos:
- Brâmanes: é o grupo no topo da pirâmide, que concentra o poder de persuasão. Encarregado de atividades ligadas à religião hindu, ao ensino e a atividades intelectuais;
- Kshatriyas: o mais alto grupo de castas depois dos brâmanes, que detém o poder militar. Encarregado de atividades ligadas ao militarismo e ao governo, orientado a respeitar aos deveres, honra e reconhecimento;
- Vaisyas: um grupo de terceiro escalão. Castas ligadas ao comércio, negócios e artesanato, orientadas a buscar riqueza, conforto e luxo;
- Sudras: grupo de castas ligadas a trabalhos braçais e serventes, que no cotidiano buscam somente a satisfazer os apetites imediatos.
- Dalits: também conhecido como párias, os dalits são sem casta, vivem literalmente à margem da sociedade.
As castas não apenas possuem diferentes papéis sociais, elas também possuem diferentes mentalidades e valores, e até diferentes deuses; algo não percebido até por estrangeiros que viajam pela Índia, e nem mesmo por muitos vivendo no país. E o poder de cada casta ganha mais destaque conforme a circunstância. Por exemplo, o poder militar é o que importa num contexto de guerra, o poder intelectual é importante quando se trata de educação e cultura, e o poder comercial quando se trata de negócios. Logo, cada casta tem as suas responsabilidades e recompensas.
A sociedade indiana é materialista?
Sim, muito além do que você poderia imaginar. Para responder a esta pergunta, é necessário entender as sutilezas do sistema de castas na Índia. Aquela imagem da Índia estereotipada com roupas brancas, discursos de paz e amor, yoga, espiritualidade se refere à mentalidade brâmane. Por ser a mais alta casta, os valores brâmanes ainda tomam as rédeas na sociedade indiana. Não sejamos ingênuos de acreditar que todo brâmane se dedica somente a atividades religiosas e fica o dia todo em posições de yoga.
É interessante observar que as castas ligadas aos negócios e empreendedorismo não estão no topo da sociedade. Uma curiosidade é que a Índia moderna tem se projetado sob os valores das castas kshatriya, como glória, honra e iniciativa. O conflito entre as mentalidades brâmane e kshatriya é um dos principais códigos culturais da Índia moderna, bem descrito por Dheeraj Sinha no seu livro, em inglês, Consumer India: Inside the Indian Mind and Wallet.
É possível imaginar uma Índia sem castas?
Acredito que não. O sistema de castas é uma estrutura milenar, junto a uma estrutura de poder construída ao longo de séculos, se não milênios. Não se trata apenas do poder de alguns indivíduos, mas também de famílias inteiras cujo poder e fortuna dependem do sistema de castas.
A mídia e a opinião pública no Ocidente frequentemente retratam o sistema de castas da Índia sob o viés do politicamente correto e da igualdade do mundo dos ursinhos carinhosos, onde ninguém solta a mão de ninguém. Para o indiano comum, as castas lhe dão uma sensação de segurança dentro de uma sociedade caótica e sem lei, indicam qual o seu lugar no mundo. Se a Índia já é caótica com castas, não queira imaginar o que seria com mais de 1,3 bilhão de pessoas sem nenhum senso de orientação e significado para suas vidas.
Para quem está no topo desta estrutura social, a zona de conforto é estratosférica e para quem está na base da pirâmide, o sistema de castas pode significar uma receita fácil de como seguir a vida. Nada é preciso fazer literalmente, senão manter o que herdou, ou apenas seguir as ordens para quem está na base. É possível ver famílias inseridas numa determinada atividade econômica por séculos; famílias cujos nomes são símbolos de poder, influência e prestígio.
De outro lado, também via dalits dormindo nas ruas, catando o que comer no lixo, e pessoas de castas baixas sendo tratadas literalmente como escravos cuja utilidade é apenas servir; tal como comunidades pobres acostumadas a modos primitivos de vida e avessas à qualquer modernidade.
O sistema de castas é totalmente diferente do que estamos acostumados a ver no Ocidente. É algo que vai além da esfera econômica, pois a sociedade indiana é claramente orientada em poder, e de tudo se vê do topo até a base da pirâmide. Toda sociedade neste mundo tem suas divisões que servem de referência a quem vai governar, quem vai guerrear e quem vai produzir os serviços vitais. É ingênuo acreditar que todos os membros assumirão o mesmo grau de responsabilidade, quer por capacidade, quer por vontade.
Originally posted 2017-10-03 16:55:46.
