Num dia em que cheguei ao local de trabalho, costumava chegar mais cedo para ajeitar minhas coisas com calma e tomar um tchai, dois de meus colegas lá estavam mais de cedo que de costume, e logo vi que estavam mexendo no Photoshop. Um deles tirou uma selfie na frente da empresa de calça e camisa, todo bem arrumado, com a ajuda do outro colega que segurava uma boa câmera. Num instante depois, chegou a nosso chefe que, ao ver a cena, lhe perguntou: “Ah, está preparando para o casamento?”
Tirar uma selfie na frente de uma empresa grande e reconhecida, tal como fotos de perfil destacando um cargo respeitado no crachá são muito comuns nas fotos de perfis para sites de casamento na Índia, e até nas fotos compartilhadas nas mídias sociais. Todo símbolo de status está valendo para vender o peixe. Outro colega nosso, numa outra ocasião, comentou comigo: “Até janeiro (de 2013), minha mãe vai arrumar uma guria (equivalente à garota no sul) para eu casar. É a tradição.”
Pode soar estranho a você, porém, tudo isso para os indianos é algo normal. O casamento na Índia costuma ser arranjado pelos pais da noiva e do noivo. Pode também ocorrer através de sites de casamento, agências de casamento como no seriado do Netflix India Matchmaking, assim como pelos classificados matrimoniais que há nos jornais mais populares. E na hora de escolher um noivo ou uma noiva, contam a casta, a renda mensal, emprego estável, nível de cultura, gostos e preferências, religião, grupo étnico, compatibilidade de signos; e tudo o mais que se possa imaginar.
E namoro, existe na Índia? Não como estamos acostumados no Brasil e no resto do mundo ocidental. E o “ficar” é algo clandestino, incompreensível para 99,999999% dos indianos. Mesmo que um casal se conheça da forma com que estamos familiarizados, o namoro depende da aceitação da família para ambos os lados, com os mesmos critérios de um casamento arranjado. Caso contrário, não rola.
Indianos são muito apegados à família e não se pode esperar que tomem uma decisão contrária às expectativas de seus pais e parentes. E no cotidiano da Índia, há uma certa distância entre homens e mulheres, que é visível até nas escolas e universidades. Este contato é mínimo, quando não segregado de vez. Logo, o namoro como conhecemos é difícil de acontecer.
Por não possuírem as mesmas liberdades que são tidas como naturais para um ocidental, além dos mimos e das pressões familiares, tanto homens quanto mulheres na Índia costumam chegar à idade adulta sem nenhuma experiência de vida, imaturos, crianções literalmente. É normal você ver pessoas com 20, 25, 30 anos ou até mais com comportamento de uma pessoa de 12 anos, não mais que de um adolescente. Nem se fala em se tratando de sexualidade…
Justamente por não haver um contato saudável entre homens e mulheres no dia-a-dia, é normal indianos demonstrarem uma falta de desenvoltura no contato com o sexo oposto, ou não saberem o que fazer mesmo. Sabe quando uma criança fica envergonhada ao falar-lhe de namoro? Então, os pais arranjarem um casamento soa perfeitamente natural, quando não a única alternativa de fato.
A falta de maturidade também se reflete num comportamento manipulativo em muitos casais indianos, além do jogo de poder que se vê em todos os ângulos da sociedade indiana. Conversando com indianos emigrados no Ocidente, costumo ouvir descrições associando o casamento como um jogo de poder em vez de um relacionamento afetivo, sobretudo dos que cresceram com algum trauma ao ver os pais brigando, ou o pai usando linguagem abusiva com a mãe, quando não partindo para a agressão física.
Muitas mulheres indianas, encurraladas por pressões dos sogros, sobretudo da sogra, e do maridão que a trata de uma forma rude feito cavalo xucro, passa a descarregar as frustrações nos filhos, e por isso criam seus filhos homens como eternos bebezões que nunca amadurecem. Para as indianetes de paquera com “namorado” indiano de internet, vocês não terão vida de novela e Bollywood dançando cobertas de ouro, não.
Como em todo lugar, há casais que se dão bem, há casais que vivem no inferno diário, e tudo o que se possa imaginar. Pela falta de diálogo, sobretudo em temas que são tabus na sociedade indiana como sexo e o contato entre sexos opostos, é muito difícil abordar estes tipos de assunto.
Como costuma ser a cerimônia de um casamento indiano?
As cerimônias de casamento na Índia costumam acontecer em grandes jardins que reúnem pelo menos algumas centenas de convidados, quando não milhares, e ter as seguintes etapas: chega do noivo e a chegada da noiva ao local da cerimônia, a comilança, e a cerimônia. A ordem pode variar, mas para os convidados é basicamente isto. Pode durar um dia, dois, ou vários dias consecutivos. Para muitos indianos, em se tratando de casamento, quanto maior a festa, quanto mais caro, maior a ostentação, o show-off – melhor.
O dote e a festa são pagos pela família da noiva que, uma vez casada, passa a viver com a família do marido. Normalmente, a convivência entre os recém-casados passa por um período de adaptação antes de eles passarem a viver juntos de fato, a mulher é apresentada às regras da casa da sogra. A temporada de casamentos é nos períodos entre novembro e janeiro, e entre abril e maio. Nestas épocas, você vai ver casamentos por todos os cantos da cidade e os jardins alugados lotados de convidados.
Rola traição na Índia?
Claro, como em qualquer sociedade neste planeta. Quem é bandido, sempre dá um jeito de pular a cerca. O próprio Kama Sutra menciona as viúvas, as divorciadas, as mulheres de casta inferior e aquelas cujo marido vive viajando como os melhores alvos para um pecadilho. E adaptando ao século XXI, vale acrescentar as estrangeiras, as tias fogosas e fofoqueiras que ficam pelo Facebook, Whatsapp, Tinder, bate-papo e sites de encontro.
Quando morava na Índia, costumava ver homens casados indo sozinho para a balada, dando em cima de mulheres no trabalho e por onde quer que fosse oportuno. Já as mulheres casadas, costumam trair numa espécie de clube clandestino, através de convites feitos por alguém de dentro do esquema. Alguns indianos malandrinhos que conheci faziam um bom dinheiro sendo amantes de mulheres ricas, para quem receber uma atenção é moeda de troca, e foi assim que fiquei sabendo dos esquemas. Quem não recebe atenção em casa, vai caçar em outro pasto, é algo universal.
Falando em atenção, uma das coisas que mais me surpreendiam no dia-a-dia era ver a reação extremamente positiva de uma mulher indiana sempre que lhe deixava passar primeiro pela porta, ou cedia o lugar no ônibus, ou qualquer pequeno favor – era como se fosse o primeiro homem fazendo isso a elas.
Outra coisa que me chamou a atenção foi agência de detetives, cuja maioria dos clientes procuram para investigar suspeitas de traição e o histórico do pretendente ou possível noiva para um filho. Fica a dica para quem está na Índia de lancinho e adora um proibido, vai que tenha um detetive de olho…
Casamentos infantis acontecem na Índia?
Sim, acontecem. Mahatma Gandhi casou com 12 anos, por exemplo, algo normal na geração dele. Nos dias de hoje, os casamentos infantis são proibidos por lei na Índia, mas continuam sendo uma tradição, mantida sobretudo no interior. Leis não mudam cultura, e nestes casos só servem para inglês ver, para fazer bonitinho para a ONU. E quem vai garantir que leis na Índia funcionem? As próprias autoridades indianas são corruptas, e no interior, a presença dos serviços mais básicos costuma ser inexistente. O estado do Rajastão, onde eu vivi, é conhecido pelas maiores taxas de casamento infantil. Sempre que viajava pelo interior, era normal eu conversar com idosos que casaram com antes dos 15 anos.
Originally posted 2020-11-26 00:53:46.
